domingo, 26 de março de 2017

Parabéns mulheres!

Imagem extraída de arquivo pessoal

     Para esta soteropolitana residente em Petrolina (PE) o tempo é gerido estrategicamente. Negra, jornalista, mestre em educação, cultura e território semiáridos, esposa e mãe, Manuela Pereira de Almeida conhece o cotidiano do repórter que trabalha cronometrado, com o objetivo de entregar seu texto, áudio ou vídeo antes do deadline (prazo final).  O deadline de Manuela é meio dia, horário em que o casal de gêmeos (4 anos) precisa estar pronto para entrar no transporte que os levará para a escolinha. Além de brincar com os filhos pela manhã, Manuela consegue tempo para ensinar cuidados com o jardim, orientar nas tarefas escolares, ajeitar roupas, talheres e pratos. Confira a entrevista que dá continuidade à série. Texto: Capinan Junior, SRTE 3612 (BA).  

     CJ: - A redação do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) de 2015 trouxe o tema mulher. Após a prova, foram postados comentários misóginos nas redes sociais. Esse ódio é verdadeiro? As pessoas acreditam na impunidade ou é apenas um desejo de semear a discórdia? 

     MPA: - Com relação a esse fato específico e outras coisas que eu leio na internet, e a gente acaba lendo os comentários principalmente de sites noticiosos do que em alguns blogs mais independentes. A gente percebe os comentários fortes, com ofensas, coisas muito ofensivas, absurdas, que às vezes eu penso, nossa, como alguém tem coragem de expressar sua opinião desse jeito? Eu acho que tem a ver com o anonimato, também de você poder usar um nome que não é o seu, uma página que não é sua, um fake, daí poder falar tudo, todos os absurdos. Mas o anonimato é só uma das coisas, porque na verdade, quem fez isso, faz muito consciente. O anonimato é só uma coisa que essa pessoa pensa que tem a seu favor. Na cabeça doente dela, ela vai poder expressar todos aqueles absurdos, opiniões loucas, umas coisas bem absurdas mesmo de quem não está acompanhando a vida em sociedade, de você estar com o outro e ter empatia. Quem coloca isso pensa dessa forma e se vale do anonimato para jogar fora tudo, como se tivesse preso aquele ódio, a aversão do que é diferente, botam para fora. É opinião da pessoa sim, eles pensam dessa forma e na internet potencializam essa maneira de colocar essa opinião sem educação, grosseira, com muito ódio mesmo.       

     CJ: - Em janeiro deste ano uma moça procurou uma barbearia, em Americana (SP), para cortar o cabelo. O atendente disse que não poderia cortar porque o estabelecimento era especializado no público masculino. A reação da moça foi negativa, com postagens nas redes sociais afirmando que foi discriminada. A proprietária do negócio se pronunciou, afirmando que não teve a intenção de ofender ninguém. Como você avalia esse caso?

     MPA: - Aqui em Petrolina (PE) tem barbearia que se a mulher quiser cortar o cabelo corta, o barbeiro corta o cabelo feminino também. A internet, os espaços de redes sociais estão servindo como uma grande arena, onde tem se travado tantas lutas, disputas, cada qual com a sua opinião, cheias de argumentos, as pessoas argumentam muito, mas argumentam ali na rede social, protestando, falando muito. A rede social é como se fosse um megafone ou então um lugar onde se despejam angústias, mal-estares, só que na prática, quando sai da rede, quando sai daquele momento de oratória de falar demais, o convívio entre as pessoas tem piorado muito. Tem se usado as redes sociais como essa grande válvula de escape de colocar as suas opiniões e ponto, coloco a minha opinião, esta é a minha opinião, ouça e leiam. Às vezes muita gente está disposta a falar, a escrever lá e a falar bastante, mas não está disposta a ouvir. 

     CJ: - Nos anos 60 e 70 surge uma vertente feminista denominada feminismo radical. Uma das ideias é destacar a essência feminina. Dessa forma, por exemplo, uma mulher transexual (homem com desejo de se tornar mulher, através de cirurgia ou tratamento hormonal) jamais poderia levantar a bandeira feminista, pois não nasceu mulher, portanto, não teria condições de assimilar a luta. Qual a sua opinião sobre o assunto?

     MPA: - Sendo um movimento com base na cultura colonial, que o feminismo é, com demandas de mulheres brancas e com muita influência dessa lógica da sociedade europeia e dos Estados Unidos da América (EUA), nada mais natural que o feminismo excluísse, ou alguns segmentos do feminismo, excluam as mulheres trans. No movimento sufragista, as mulheres brancas e negras reivindicavam o espaço político nos EUA e em algum momento as companheiras optaram por não incluir a mulher negra nessa luta, embora a mulher negra tivesse junto com elas. Elas resolvem também excluir a mulher trans, isso acontece por conta da própria natureza, que é esse tipo de feminismo, com essas bases coloniais da supremacia branca, com as demandas do povo branco, que não é a demanda do negro, da mulher indígena, negra, trans. Essa separação a gente percebe até hoje, inclusive na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Lembro que tem uns quatro, cinco anos, esse racha que teve lá nos grupos de discussão entre elas, as pichações nos banheiros dizendo que aqui só entra mulher de vagina original. Tem de se pensar dentro do feminismo outras saídas porque as mulheres e as demandas não são iguais. As mulheres negras, indígenas e trans passam por outras questões. Não tem problema nenhum em romper com esse feminismo criado para uma demanda muito específica de uma população feminina muito específica. Rompe com isso e cria outras ideias, ideais com uma pauta bem específica e isso não quer dizer que está enfraquecendo não, tá fortalecendo dentro daquilo que te agrada, aquilo que é necessário para você. A realidade da mulher trans é outra, que a mulher trans faça seu feminismo.